São 122 anos oficiais, mas a idade ultrapassa, seguramente, os 511
anos. A história do Porto de Santos se confunde com a da Baixada
Santista, a do desenvolvimento de São Paulo e até mesmo com a do
crescimento do Brasil. O cais do estuário, que hoje abrange três
cidades, surgiu, timidamente, com o papel de escoar as produções locais
incipientes. Entretanto, logo encontraria sua vocação.
Foram necessários mais de 5 séculos para que o complexo portuário
santista tomasse a proporção que hoje é conhecida mundialmente. “A
história nos conta que a partir da necessidade, o Porto de Santos se
desenvolveu. Mas nunca deixou de atender à demanda”, pontua a
historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade.
Quase dois anos após o descobrimento do Brasil, em 22 de janeiro 1502, o
navegador português Gonçalo Coelho, quem comandou as primeiras
expedições exploratórias na colônia, ao lado de Américo Vespúcio,
instalou provisoriamente um “porto” onde hoje localiza-se a Ponta da
Praia. Na verdade, as naus (navios de grande porte daquela época) eram
fundeadas no canal e os tripulantes chegavam às margens em barcos.
Após 30 anos, já com a chegada de Martim Afonso de Sousa, de Portugal,
com a missão de estimular a economia com o plantio da cana de açúcar
nessa região, o então Porto de São Vicente (por causa da Ilha de São
Vicente, onde está Santos) mudou de lugar para dar os primeiros passos
do crescimento. “Ele foi levado para dentro do Estuário, próximo ao
Valongo, e passou a cumprir a sua missão de escoar a produção brasileira
em trapiches”, explica Wilma Therezinha.
Até então, o Porto tinha a missão de apenas abastecer os navios
(portugueses e países aliados, na maioria), que ficavam durante muito
tempo viajando pelo Oceano Atlântico ou costeando o Brasil. A história
narra que, quando Martim Afonso chegou à região, ressaltou que a
transferência do fundeadouro para o interior do Estuário era estratégica
pela profundidade, largura do canal, tranquilidade do mar e proteção
contra os ventos.
No entanto, mesmo após Santos ter se elevado à Vila e se desvinculado
da Vila de São Vicente (onde registros históricos indicaram também a
possível existência de um trapiche alfandegado no Engenho de Jerônimo
Leitão, próximo da estrutura da Ponte Pênsil), o entusiasmo durou pouco,
já que o esgotamento e a infertilidade das terras fez com que a
produção da cana declinasse acentuadamente.
A primeira grande crise, então, atinge a vila e interrompe o
crescimento do Porto. A situação só foi melhorar, quando, ao final do
século 17 e começo do século 18, o cais passou a escoar a produção das
recentes Minas Gerais. “Foi a época em que o Porto de Santos tornou-se o
Porto do Ouro, sendo a principal rota de saída desse tipo preciosidade
do Brasil”, afirma a historiadora.
Mais uma vez Santos tem um revés depois que o Rio de Janeiro abriu uma
rota direta com Minas, encurtando o trajeto e possibilitando maior
rapidez na exportação do ouro. Um novo período de estagnação chega à
região. São Paulo, inclusive, teve que aceitar a ser subordinada à
capitania vizinha (o Rio) e o Porto perdeu bruscamente a movimentação
para o concorrente.
Até este período, todavia, a ligação entre o Litoral e o Planalto
paulistas ocorria em trilhas (a de Tupiniquins, aberta pelos índios, e
até o Caminho do Padre José de Anchieta, aberto por um cavaleiro como
punição a um crime na época). O trajeto, repleto de desníveis, era
percorrido com as mercadorias pelos escravos ou carregados pelos animais
que aguentavam mais de um dia de viagem.
O desenvolvimento do Porto foi retomado ao final do século 18, com a
chegada do segundo ciclo do açúcar. Desta vez, no Interior de São Paulo
(que já havia retomado sua independência em relação ao Rio de Janeiro),
onde as terras são férteis. Foi nesse momento que é construída a Calçada
de Lorena, a pedido do então governador-geral da capitania, Bernardo
José Maria de Lorena (por isso o nome). Ela constituiu a primeira
ligação “pavimentada” entre Santos e o Planalto.
“O Porto começou a se desenvolver fortemente e precisava agilizar o
transporte das cargas. O trajeto passou a ser feito em 10 horas, em
média”, conta Wilma Therezinha. Quase 50 anos depois, a Estrada da
Maioridade, (o nome dado por causa da maioridade do imperador Dom Pedro
II) foi construída. Ela, hoje já desativada, chama-se Rodovia Caminho do
Mar. Mas a primeira via para veículos tinha movimentação e até
transporte de passageiros entre as duas cidades.
No mesmo período, no século 19, o café passou a se destacar e o Porto
de Santos o recebeu, tornando-se o principal produto de exportação. Além
disso, os trapiches (nome dos antigos armazéns portuários) começavam a
receber os imigrantes, que chegavam ao Brasil na esperança de uma vida
próspera.
Em 1867, com a inauguração da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, pela São
Paulo Railway, o café do Planalto e do Interior do Estado passou a
chegar em até 4 horas a Santos, que começou a crescer, verdadeiramente,
de maneira abrupta. O desenvolvimento se tornou tão evidente que chegava
a hora do porto cheio de trapiches ganhar a forma que tem hoje.
A concorrência para a construção do cais, em 1888, foi vencida por
Cândido Gaffrée, Eduardo Guinle e outros sócios, que posteriormente
fundaram a Companhia Docas de Santos para administrar o Porto. Em 1890,
eles recebem a autorização para iniciar as obras de 1.130 metros do
atracadouro, que inicialmente ia do Valongo ao Paquetá.
O navio Nasmith atracou no primeiro trecho do cais em 2 de fevereiro de
1892, há exatos 122 anos, dando início a uma nova fase do Porto de
Santos – que começava a ganhar a cara de um complexo portuário e havia
acabado de se tornar o primeiro porto organizado do Brasil. Após o
açúcar, o ouro, a volta do açúcar e o impulso do café, foi a vez de
explorar novas barreiras.
“A indústria já influenciava, mas naquele momento, passou a ditar o
passos de forma decisiva. Santos começou a receber a produção industrial
de São Paulo e de outros estados brasileiros, assumindo ainda mais o
caráter nacional”, pontua a historiadora, que também é professora da
Universidade Católica de Santos (Unisantos).
A depressão da economia brasileira em 1919 não foi suficiente para
derrubar o cais recém inaugurado. Nesse período, aumentou o volume de
importações e caiu o de exportações. Dez anos mais tarde, ele já havia
retomado a balança comercial, movimentando 3 milhões de toneladas e
expandindo para a Margem Esquerda (Ilha Barnabé, Área Continental de
Santos e Guarujá).
Mesmo asfaltada, a Caminho do Mar (a primeira estrada pavimenta da
América Latina) não era mais suficiente. Foi a vez de chegar a Pista Sul
da Via Anchieta, em 1947, tornando-se, desde então, uma das rodovias
com maior movimentação de mercadorias em todo o País. Em 1953, foi
inaugurada a Pista Norte. Dois anos depois, há a construção de mais de
100 quilômetros de trilhos para as operações portuárias. Em 1974, foi a
vez da primeira pista da Rodovia dos Imigrantes.
Em 1980, com o término da concessão dos Guinle, o Porto de Santos
passou a ser gerenciado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo e
começou a bater os próprios recordes, movimentando mais de 23 milhões de
toneladas. Além disso, após a luta de trabalhadores e pela demanda dos
próprios executivos portuários, surgiu o primeiro marco regulatório do
setor, a Lei 8.630 de 1993, a Lei de Modernização dos Portos.
Mais de uma década depois, o Governo Federal cria a Secretaria de
Portos que, em 2013, coordenou a reestruturação das normativas do início
da década de 1990, aprovando, de uma maneira polêmica, a Lei
12.815/2013. Nela, a iniciativa privada ganha mais autonomia, os
contratos passaram a ter novas regras de concessão no porto público.
“A história mostrou que não só de logística se fez o Porto de Santos.
Foram necessários construir, literalmente, meios para ele se desenvolver
e atender ao propósito para o que foi criado: escoar a produção
nacional”, finaliza Wilma Therezinha. E hoje, mais uma vez, o cais
santista se vê diante desse desafio.
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